2014 poético: na real da rima (12)

Este ciclo começou quase sem querer. A primeira poesia do ciclo, "Virada de mês", era despretensiosa e ainda não se cogitava fazer uma série, a cada virada de mês. A idéia pareceu interessante quando eu escrevi o "Soneto com um adendo e uma lição", de fevereiro. Aliás, este soneto foi selecionado no Prêmio Sarau Brasil 2014. Interessante, pois um ciclo deste tipo permite mostrar as inevitáveis mudanças de humor ao longo do ano e isso pareceu que ia responder às muitas pessoas que comentavam que eu sempre escrevia coisas muito depressivas. Tem isso sim, não vou negar. Mas tem o oposto também, como em "Quarenta e Três" e "A viagem de resgate (sincopado)". Curiosos para ver onde isso chegou?


JANEIRO - FEVEREIRO

Virada de mês
(Sempre o melhor está na frente) 


Ah, janeiro vai finito. 

Teve de tudo por aqui: 
de férias agradáveis
a desilusões inevitáveis. 


Ah, fevereiro, vem logo! 

Me recupera e traz
um novo encanto. 

Venha um outro tanto. 

Lucia Helena Sider 



FEVEREIRO - MARÇO


Soneto com um adendo e com uma lição # 

Fevereiro, você não ouviu o que eu disse? 

não me trouxe flores ou boas novas,
me trouxe pesar e preocupação,
me trouxe tão duras provas. 


Março não vem para melhorar.
Não vem e disso já me convenci.
A felicidade não está mais no futuro. 

A felicidade está no momento em si. 

Aproveite-se o momento 

que é raro e que é efêmero, 
absorva dele o seu melhor. 

Não pense no tormento,
não valorize o gênero. 

Absolva-se e lute com o pior. 

E no mais, aprenda a cercar-se do que é positivo. 

Não agradamos a todos e nem todos nos agradam. 
Não sinta rancor e procure não sentir nada
até que esta núvem negra se dissipe. 

Tinha tanta coisa para dizer, 

mas meus olhos estão cegos, 
minha mente adormecida
e não raro chove por aqui. 


Lucia Helena Sider 


# esta poesia foi selecionada entre as 250 melhores no Concurso Novos Poetas - Prêmio Sarau Brasil 2014


MARÇO - ABRIL

Viagens de março: vêm, abril, me render!

(Quadras simetricamente assimétricas)


O mês começou excitante,
mas o meu foco estava em tudo:
nas divagações e viagens,
menos no devido restante.

Restante que era importante:
meu trabalho, minha família...
Viajei histórias fantásticas,
num mundo tal desconcertante.

Era novamente a ciclagem*,
que vem me acometer por vezes,
que me derruba me erguendo,
vem e vai como se miragem.

Não chega a afetar minha imagem,
pois poucos sabem o que se passa.
Não sabem a origem de tanta
ira, alegria e traquinagem.

Hoje, com o mês em andamento,
melhor estou, mais normal e sã.
Recuperação rápida, sim,
mas foi devida e bem a contento.

Para abril espero tantos eventos,
tantas resoluções e expectativas,
tantas idéias e leituras novas,
mais amigos, pois sim, menos tormentos...

E viver,
respirar
e curtir
o prazer.


E é bom que seja assim mesmo, pois é como ver
um dia atrás do outro, procurando o amanhã
como as rimas que se encontram só no fim do verso.
Viagens de março… Vêm, abril, pois me render!

Lucia Helena Sider

*A ciclagem é inevitável depois de certo tempo que um paciente bipolar é medicado com antidepressivos e se caracteriza pelo aparecimento de alguns sintomas maníacos. ISSO SÓ ACOMETE ALGUNS BIPOLARES e mesmo assim, o benefício do uso do antidepressivo sobrepõe qualquer inconveniente, que acaba assim que a medicação é suspensa.




ABRIL - MAIO

Quarenta e três


Em abril comecei a viver o momento,
esta foi a minha disposição.
Renovo meu ar a cada instante.
Respiro, vivo, até a exaustão.

Sou inquieta por própria natureza.
Anseio pelos dias na minha frente.
Sou como a ave recém liberta:
vôo tão alto e tão contente.

Maio, venha, seja benvindo!
Traga o que trouxer, traga já!
Não temo o futuro, nem meu passado,
só a estagnação, essa coisa má.

Consigo traga uma nova etapa,
e abril, que leve todos os males!
Que eu respire, que eu viva,
que eu explore novos lugares...

Maio, maio, sempre a mudança.
É natural que eu pense assim. 
Mais um ano que se renova,
mais um mês que chega ao fim.

Lucia Helena Sider



MAIO - JUNHO

Canção do Indefinível
(quase um rondó)

Pare onde está!
Pode me criticar,
mas não me rotule.
Diga o que pensas,
mas seja gentil.
É muito fácil fazer
essas generalizações.
Difícil é respeitar
o que é só tentativa
de se ver no normal
(não sou só eu que
penso ou ajo assim).
Maio foi o limbo
entre o real e o irreal,
entre o belo e o feio,
entre o normal e o anormal,
das crises que sempre
renovam meu rumo,
dos sentimentos íntimos
que impulsionam meu ser.
Pois venha me criticar!
Só não me rotule!
Seja justo, seja gentil.
Não foi em maio
que você me pegou.
Nos encontramos em junho
e por quantos vierem
para mais uma vez
fugir de uma definição
daquilo que é tão
simplesmente indefinível
- pois aí reside a beleza...
Pare onde está:
se você não me entende,
não me julgue.

Lucia Helena Sider


JUNHO - JULHO


Perdão

O silêncio reina no dia de hoje,
o silêncio me diz o que não quero ouvir.
Mais uma vez uma espera,
mais uma vez uma frustração.
O silêncio nunca é respeito.
O silêncio é medo, é covardia.
Já pensava assim desde as primeiras decepções.
Junho, junho, tudo ia bem, bem demais.
Mas por que as pessoas têm que abrir a boca
para dizer coisas impensadas?
Julho, julho, renova!
Traga o diálogo, o desabafo.
Traga o entendimento.
Traga algo que enfim me agrade,
pois estou farta de tentar
agradar a mim mesma.
Não posso mais com isso
e eu estava tão bem...

Renova o ar neste instante...
Momentos vêm, momentos se vão.
O perdão é a base de tudo,
em junho perdoei e recebi o perdão.
Tolera a quem mais te aborrece,
perdoa e parte pra outra noção.
Julho... não mais restrições,
não mais analogias infelizes,
não mais regra, não mais o silêncio.
Que venham as graças
e a espontaneidade,
que venha alegria e satisfação.

Te cala quando o que pensas for rude,
não te segures para fazer o bem.


Lucia Helena Sider

JULHO - AGOSTO

Das coisas de Julho

Julho das internações,
julho dos encontros e desencontros.
Julho das resoluções,
julho do retorno às raízes.
Julho de descobrir tudo o que mais importa,
julho de descartar o descartável.
Em julho quase fiz loucuras,
em julho fiz o que é certo
Em julho redescobri quem eu sou
e percebi que sou o que eu me permito ser,
não necessariamente como o mundo me vê.
Em julho fui fútil, fui sábia,
em julho me provei corajosa.
Mostro minha determinação na minha pele,
mas também sou determinada no que falo e faço.
Temos que fazer, quando o que fazemos é o melhor.
Temos que silenciar, quando nos percebemos falando palavras vazias.
Em julho perdoei os meus, e só isso já fez valer o mês.
Mas julho foi ainda mais, pois descobri a minha essência.
Agosto, veja só a responsabilidade...
A essência não reside na beleza exterior,
nas inteligências ou no senso de humor.
A essência está na dignidade e no poder de superação.
E foi assim que eu me encontrei...
Que de agosto em diante eu não confunda mais as coisas.

Lucia Helena Sider



AGOSTO - SETEMBRO

Mês dos cachorros loucos e falantes por demais

É difícil dizer de agosto
algo que não me faça sofrer.
Agosto veio, agosto vai,
parece que não morre mais.
Ciente das decisões,
fui ouvir as pessoas -
todas cheias de opiniões
(das que quis e das que não pedi).
Me entristeci, me irritei.
Me confundi e me isolei.
Raro alguém que se põe no meu lugar.
Agosto concentrou todas as palavras!
Putz! Palavras... palavras por demais...
Setembro: cale e reflita!
Setembro: sossegue, acarinhe!
Setembro: diga para todos os falantes
que eu não preciso de críticas,
de opiniões opiniosas,
nem preciso de mais “apoio”,
pois já tenho o apoio dos meus,
dos meus de coração.
Só te peço que te cale
se tua opinião rasga como faca
e não nos engrandece,
não nos engrandece.

Quem sabe é só esperar...
Tudo agora é tensão
e medo do desconhecido.
Procure só o que engrandece,
o que a todos engrandece.

Setembro, cá entre nós, resgata um pouco
do bem dos outros meses passados.
Vai além, cria, inova, restaura, supera.

Estamos vivendo, não paramos ainda,
mas eu bem preferia pular esta parte.



Lucia Helena Sider



SETEMBRO - OUTUBRO

A viagem de resgate
(Sincopado)

Assim que cheguei fui te ver
toda arrumada e faceira.
Nossa intimidade a crescer,
vive a alegria de viver,
sério mesmo na brincadeira.

Tudo deu certo finalmente!
Vejo-os bem e confortáveis.
A culpa que foi tão somente
atrapalhar a nossa mente,
deixou-nos já mais amigáveis.

Que o sofrer de agosto me fez
olhar pra um setembro de encanto.
Setembro que tudo refez.
Setembro, que tão belo mês...
Feliz, sem mais nada de pranto.

Olhei para as coisas possíveis,
sonhei e planejei mudanças,
fiz coisas legais e incríveis.
Agosto viu coisas terríveis,
outubro já vê outras danças.

Dei um toque no visual,
foi do cabelo à tatuagem.
Arruma tudo gradual,
escreve série sentimental,
renova a alma e a imagem.

Outubro, tens abertura sim
para vir e ainda mais renovar.
Traga novidades pra mim,
venha belo e suave assim,
venha de tudo experimentar.

Setembro, tudo de bom, vem
sim novo outubro multiplicar.
Alegra meus entes também.
Ninguém faça do pranto refém.
Venha sua bonança reinar!

Lucia Helena Sider



OUTUBRO - NOVEMBRO

Outubro – amarelo solar, novembro a colaborar

Vai alegre, radiante e belo,
Vai firme e constante a passear!
Outubro que ao sol tanto me expôs,
e a tudo que mais tanto agradou,
venha o sentimento renovar!

Vem o sol reinar tão amarelo,
vem fazer teus raios infiltrar.
Novembro não deixes pra depois!
Complemento feliz ao que sou,
venha mais um mês colaborar.

Lucia Helena Sider



NOVEMBRO - DEZEMBRO


Recado

Ei, novembro!
Você mesmo!
Mês das doencinhas,
da TPM e da compulsão pelos doces...
Obrigada pelo que você me trouxe:
notícias dos amigos sumidos,
amigos em casa,
nas pastelarias e pizzarias...
boas notícias no trabalho
e todos, (quase) todos os meus entes em paz.
Ei, fala pra dezembro
me trazer uma boa viagem,
quem sabe, mais uma viagem de resgate...
Fala pra ele vir como festa,
pois é pra isso que dezembro foi criado:
Festa!
(...) Estou lembrando aqui como foi
novembro do ano passado...
Olha, você me surpreendeu!
Claro que eu podia ter ficado
sem a bronquite e a falta de ar,
mas aí, novembro, não teria graça...
Obrigada! Valeu!
Te vejo no ano que vem!
Dezembro, meu caro,
agora é com a gente :-)

Lucia Helena Sider


DEZEMBRO - ANO NOVO



Arremate

Vim com espírito arrebatador,
pronta para apostar no amor.
Não sabia que aqui chegando,
acabaria encontrando
um tempo tão desafiador.

Vim mexer no que era meu,
tudo o que com o tempo se perdeu.
Me vi tendo que me desapegar,
mandar pra longe ou descartar...
Poeira que tanta alergia me rendeu!

Tenha paciência!
Aceite o inevitável!
Da música ou da ciência,
no fim tudo é descartável...

Mas eis que a saúde definhou.
Contei meus dias e acabou
que fiquei entre casa e hospital
cuidando de mãe e coisa e tal...
Feliz que tudo já passou!

Estando ao meu alcance eu vou fazer.
Assim ninguém terá o que dizer.
Se é hora de agir ou de esperar?
As coisas sempre podem melhorar.
Não me perco tentando entender.

Tenha paciência!
Não piore a situação!
Não é hora de eloquência
e sim de observação.

Dezembro...

De dezembro veio tanta lição,
planos que tive que abrir mão.
Aceitar do outro o seu melhor
e nunca me focar no que é pior.
Superar tudo com determinação.

No fim ainda fui premiada
com a tua visita tão inusitada,
me trazendo felicidade no momento
em que tudo era tormento.
Me sinto tão recompensada!

Tive paciência.
Me deixei me levar.
Aceito tua querência.
O melhor de tudo é amar.

Ano novo...

Venha belo, enigmático, sem castigar.
Venha sempre a me preparar.
Traga de tudo a dose certa
e que eu receba de mente aberta
tudo o que um ano pode ensinar!

Lucia Helena Sider

Um comentário: