No dia 12 de setembro (2014) fui convidada para participar com minhas poesias de um evento surpresa na Embrapa sob o tema da EQUIDADE. Fiquei muito lisonjeada com o convite e muito à vontade em escrever, pois dentro do tema geral, existem vários sub-temas que são muito recorrentes na minha vida e que já há algum tempo eu queria transcrever na forma mais lírica algumas das experiências e pensamentos que eu tenho sobre o assunto.
Parabéns à Embrapa pela iniciativa! Parabéns à Rossana e ao Alisson (e toda equipe) pela organização do evento. Foi um prazer e um privilégio participar!
- A Equidade
-
“Onde há
verdade, também há poesia.”
Lucia Helena
Sider
Soneto invertido e esticado sobre os meus amigos
Amigos são
pessoas das muito queridas
com quem
quero passar os meus dias afora.
Amigos são
luz, meu sustento, meu chão.
São aqueles
que nas fases mais doloridas
nos alegram
e mandam a tristeza embora.
Estão
presentes no sim, presentes no não.
Tenho amigos
de todos os tipos, de todas as raças,
de todas
idades, sexos e credos, e de todo o Brasil.
Me dou bem
com os loucos, sensatos, com o que faz graças,
tenho amigo
por perto, lá longe e aquele que sumiu.
Ah, meus
amigos, penso se um dia eu os fosse reunir
como eu
saberia para quem dar a maior atenção?
Eu me
imaginaria toda boba, toda a sorrir,
me imaginaria
plena e feliz de todo o coração.
O soneto
invertido poderia acabar assim,
mas jamais
acabaria o que eu tenho pra dizer:
amigos foram
feitos para você e para mim,
sem eles
seria totalmente impossível viver.
Lucia Helena
Sider
(poesia que faz parte da Série de Junho/2014 – EWOMP)
I - Descobertas
do sexo sentido
Educação
sexual e sexo em casa eram inexistentes,
de forte
orientação religiosa eram meus parentes.
O sexo era
visto como impuro e para fins de procriar.
Educação
sexual eu tive sim foi na escola secular.
Orientada
por uma professora consciente de verdade,
que nos falou
a respeito da gravidez, de maternidade,
e também das
doenças sexualmente transmissíveis
e de todos os
métodos de prevenção disponíveis.
Mas muito
pouco se falou nestes dias de opções
sobre
homossexuais, transgêneros e outras denominações.
Na época,
ainda havia muito preconceito arraigado
e muito,
muito medo do desconhecido não declarado.
Eu não era
diferente. Deste mundo fazia parte.
Fui ter
contato com o mundo gay no Instituto de Arte,
eles eram
tão alegres, expansivos, tão cheios de vaidade...
Muitos já tinham
consciência do que eram de verdade
e outros
ainda não tinham se definido realmente.
E eu era
assim, indefinida, pois não sabia igualmente
o que era
ser gay e o que era ser “normal” na essência.
Eu ainda achava
que era tudo questão de aparência,
de hábitos, de
trejeitos. Sabia pouco ou sabia nada
sobre
desejo, sobre orientação sexual adequada.
E eu, criada
sem vaidade, no meio de garotos rueiros
vítima de
rótulos na escola, em casa e em outros meios,
morria de
medo de ser diferente também.
E eu, sem
jeito, não contei isso pra ninguém,
nem para o
meu melhor amigo – um gay esperto,
também em
processo de ser “descoberto”.
Fui me
encontrar na California, em outro país,
onde Renato
Russo também se encontrou e foi feliz.
Ele se
descobriu gay, confirmou-se um poeta destemido.
Eu ali me
descobri hetero e ali tudo fez sentido -
o que me
definia era meu desejo pelo sexo oposto,
desejo nato,
biologicamente definido, nada imposto.
Lamentei então
por tanto tempo de sofrimento
e senti
compaixão por todas as pessoas no momento
que passam
por este tipo de dúvida existencial
e que se
descobrem diferentes do considerado “normal”,
não que isso
seja errado ou sem autenticidade,
mas porque
ainda é tratado com muita crueldade.
Hoje tenho
amigos gays, lésbicas, e o bissexual.
Uma das
minhas melhores amigas é uma transexual.
E tenho
muito orgulho de ter sabido em primeira mão
da sua
descoberta, ou melhor, da sua confirmação,
pois ela se
descobriu de um gênero diferente do que nasceu
ainda na
primeira infância, muito antes que adolesceu.
Quem é que
vai dizer que não é normal ou que não é certo?
Quem nunca
se descobriu diferente quando olhado de perto??
Não confundamos
moral com ignorância, se não sabe ou tem receio.
É a tua
própria identidade que você está questionando neste meio.
Aceita
melhor a si mesmo quem aceita as orientações do colega.
E prega
melhor aquele que conhece de fato o que prega.
Eu me
descobri hetero, mas poderia ter me descoberto diferente.
Eu seria
menos honesta em função disso ou menos decente?
Se a tua
vida sexual não é da conta de ninguém,
por que a do
outro vai ser?? Pensou nisso também?
Lucia Helena
Sider
II - Ébano e
marfim
Teu nome é ébano.
Nome de
negro,
pele de
negro.
Me
conquistou assim,
por ser
diferente,
mas no
fundo,
sabemos que
somos tão
iguais,
iguais na
essência,
no que
procuramos.
Únicos no
propósito
de
sobreviver
e sermos
felizes.
Queremos o
mesmo,
quer seja um
beijo,
quer seja um
afago,
seja um
objetivo
daqueles
pessoais.
Somos
normais!
E somos
distintos!
Vivamos hoje
o que faz
sentido,
sentido que
mescla
tua cor na
minha,
teu beijo no
meu,
nossas
moléculas
e nossos
receptores
numa chama
de
paixão
multicor.
Ninguém é
melhor,
ninguém é
pior,
somos
complemento
único do um.
Lucia Helena Sider
III - Mortal sem
combate
Quero
construir um ser supremo,
equilibrado
e sem extremo:
vamos pegar
o amor cristão,
do muçulmano
a determinação,
a calma
essencial do zen-budista,
a sensibilidade
do espiritualista,
o cuidado
panteísta pelo natural,
a procura do
ateu pelo racional
e a abertura
ao novo do agnóstico.
Esse é o meu
diagnóstico:
diversidade
também no que crer,
respeito e
harmonia vêm conviver.
Cada um
segue seus ideais.
No fim somos
todos mortais.
Lucia Helena Sider
IV - Da inocência
à experiência
Tenho tanto
a aprender com as pessoas mais experientes:
vivência,
sabedoria, histórias longe passadas e recentes...
Tenho tanto
a resgatar com as pessoais mais novas:
espontânea
inocência, alegria constante até em provas...
Acredito que
a melhor idade é a idade em que eu estou,
desde que eu
seja consciente e saiba respeitar o que passou
e também me
preparar pra tudo aquilo que está por vir.
Viver assim
é garantia de viver bem e viver sempre a sorrir.
Quem não se
sentiu confortável com seus avós e pais?
Quem não
brincou com uma criança da família demais?
Quem não se
espelhou em um inteligente professor?
Eu te digo,
certa de que a base de tudo isso é o amor,
tenho todas
as marcas de toda e qualquer geração.
O respeito
de todos os tempos está na raiz da perfeição.
Lucia Helena
Sider
V - Por fases do
luto sofre-dor
Tenho quatro
anos de idade
e uma doença
congênita.
Passei por
várias cirurgias
que procuram
trazer conforto
e
normalidade à minha vida.
Tenho
dezesseis anos
e uma doença
endócrina.
Não posso
viver os prazeres
que qualquer
um pode viver.
Vivo
monitorado e em restrição.
Tenho trinta
anos de idade
e recebi um
diagnóstico
de doença psiquiátrica.
Sempre soube
que, às vezes,
simplesmente
não me enquadrava.
Tenho
quarenta e nove
e uma doença
neurodegenerativa.
Meu corpo
não respeita mais
minha
vontade ou minhas intenções.
Vivo presa
em mim mesma.
Tenho sessenta
e dois
e dois focos
de câncer.
Sei que um
dia todos se vão.
Minhas
próprias células
estão
acabando comigo.
Tenho
setenta e oito
e nem sei mais
o que tenho.
Hoje estou
bem e me lembro,
mas por
vezes dizem que
eu vôo no
tempo e no espaço.
O luto vem
com roupagens diferentes,
às vezes
rápido e implacável,
muitas vezes
lento e sofre-dor.
Quem vive na
regência da dor e da limitação
aprende a
dar valor à própria vida.
É natural, mas
não deveria ser assim!
Por que não
dar valor à vida
na regência
da saúde e do prazer??
Não espere a
dor para tomar uma atitude!
Olhe para
quem está a teu lado:
O que te
limita? No que você pode ajudar?
Não será
você também limitado
e carente de
compreensão?
Guarde para si todas as palavras
vazias!
Traga à tona os gestos de amor!
Seja um ser conforta-dor!
Lucia Helena Sider
E não
poderia faltar um...
VI - Sobre cães e
gatos
Mulheres são
de Vênus e homens são de Marte.
Cães e gatos
também são de planetas diferentes.
O cão é
amigo, companheiro, o gato, independente.
Isso é o que
dizem, mas já vi o inverso também.
Eu e minha
história de cães e gatos...
Teve a época
canina, da Tila e da Snow.
Tem a série
de gatos: do Zoe, do Tang,
Bianca,
Cindy e Milu, de todos os gatos da Embrapa,
das que
levei pra casa, Paçoca, Samu e Samanta,
dos que
cuidei na rua, Feioso, Nabuco e todas as gravidinhas.
Tem os cães
da família: o Bóris, a Fran e o Tibe,
a Lise, o Ed
e as goldens estabanadas,
Teve também o
Ranger e os gatos de Nebraska
e a viajante
internacional Mozinha Mohamed,
que tem até
perfil no Facebook e mais de cinquenta amigos!
Tanto bicho,
tanta história...
Olha, gatos
e cães podem viver em harmonia
quando não são
mal-orientados pelos seus humanos.
Eu já vi
exemplos de melhores amigos inter-espécies
e, sem
querer me gabar, sou expert no assunto:
só lembrar do
Ranger e do Ludovico,
do Thor e do
Chicó, da Cindy e da Lana...
A boa
educação é a alma da boa convivência,
mas só dá
frutos se existe espaço para a sensibilidade.
Aprendi isso
também no mundo animal.
Lucia Helena Sider
Setembro-Outubro/2014
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